Ambiente

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O QUE ESTÁ A ACONTECER AO NOSSO PLANETA

Estamos condenados?


o prazo para salvar a terra termina em 2030. Tique-taque tique-taque, o relógio está a contar. A catástrofe climática parece inevitável e o mundo “está a falhar em travá-la”, como afirmou o secretário-geral da ONU, António Guterres, na Conferência da ONU sobre Alterações Climáticas (COP24) em Katowice, na Polónia.


Se não se tomarem medidas ambiciosas nos próximos 12 anos para limitar a subida média global da temperatura a não mais de 1,5° C até ao fim do século, os cenários que se anteveem revelam um planeta muito diferente daquele em que vivemos. Para a maioria dos que leem estas linhas, a catástrofe pode parecer longínqua mas é já uma fatalidade para muitos. E como disse em 2016 o então secretário-geral da ONU Ban Ki-Moon: “Não existe um plano B, porque não temos um planeta B”.


I.O mundo à beira da catástrofe


Segundo a Organização Meteorológica Mundial (OMM), os 20 anos mais quentes do último século registaram-se todos desde 1996 e as temperaturas médias globais já subiram cerca de 1˚C desde a era pré-industrial. Os cientistas temem que as temperaturas subam 1,5˚C já em 2040 e que esta subida mais que duplique até final do século. Os exemplos do que podem ser cenários mais gravosos no futuro já se vão fazendo sentir em todos os continentes e oceanos, apesar de se manifestarem de forma e graus diferentes.


O que já está a acontecer e o que vem aí.


Temperaturas


A temperatura tem estado a acelerar nos últimos anos de uma forma mais rápida na Europa.


Degelo


Desde os anos 70 do século XX já desapareceu cerca de metade da camada de gelo que cobria o Ártico no verão. Estima-se que derreta por completo nas próximas décadas se não se cortarem as emissões de gases de efeito de estufa. Os glaciares europeus estão a descongelar maciçamente desde 1997, tendo perdido entre sete e 23 metros de espessura. Se os termómetros subirem globalmente 3-5°C, o gelo do Ártico pode desaparecer por completo no fim do verão.

Subida do nível do mar


O degelo e o aumento da temperatura da água (que faz expandir o volume) têm feito subir o nível médio dos oceanos, roubando terra em vários pontos do globo. “Portugal já perdeu 15 km2 de território, engolidos pelo mar nos últimos anos”, lembra o geofísico Filipe Duarte Santos. O nível médio do mar subiu 15 milímetros entre 2014 e 2016, o que equivale a cinco vezes mais do que a tendência registada desde 1993. Cinco pequenas ilhas do Arquipélago das Ilhas Salomão, no Oceano Pacífico, já foram engolidas pelo mar. As ilhas Fiji ou Tuvalu podem desaparecer já em 2050. Nos próximos 30 anos, mais de um milhão de pessoas destas ilhas serão forçadas a migrar. Se nada se fizer para inverter a trajetória atual, as projeções apontam para uma subida média de dois metros do nível médio do mar até 2100. Com dois terços das principais cidades do mundo localizadas em zonas costeiras baixas, cerca de 500 milhões de pessoas podem ser afetadas. Partes de cidades como Nova Iorque ou Lisboa vão ficar submersas.


Ondas de calor e secas


Em 2017, a Europa foi afetada por ondas de calor: duas em Portugal e cinco em França e Espanha. Na Bacia do Mediterrâneo os termómetros chegaram a ultrapassar os 40°C e a onda de calor estendeu-se por mais de 40 dias. Em 2018, também a Escandinávia e o Norte da Europa assistiram a ondas de calor e períodos de seca. No futuro, as ondas de calor podem prolongar-se ainda mais no tempo afetando a saúde humana, provocando seca extrema, desertificação de solos, escassez de água, mais incêndios e crises na produção agrícola. Em 2090, a superfície de terra sob seca extrema, que hoje ocupa uma área de 1-3%, pode estender-se por 30% da superfície da Terra.


Intempéries


O aumento das temperaturas acima de 2°C até final do século conduz a maior concentração de vapor de água na atmosfera, o que pode provocar tanto escassez de precipitação anual como chuvas torrenciais concentradas no tempo, com consequentes inundações e deslizamentos de terra. Eventos como furacões e tufões também tenderão a ser mais repetitivos e intensos, já que as temperaturas da superfície dos oceanos vão subir, fazendo aumentar a energia que os forma. Em 2018 houve 70 ciclones no Hemisfério Norte, o que está acima da média (53). Mais de 2,4 milhões de pessoas foram afetadas. Só no último ano chuvas torrenciais e inundações afetaram mais de 5,4 milhões de pessoas. No sueste da Índia, 1,4 milhões foram deslocadas devido a estes eventos extremos. No Japão, milhares de casas foram destruídas e pelo menos 230 pessoas morreram. Também a zona do Mediterrâneo foi fortemente afetada por enxurradas em outubro último, designadamente em zonas de Itália e nas ilhas Baleares.


Biodiversidade


As alterações climáticas também são responsáveis por uma quebra vertiginosa da biodiversidade em geral, com o mundo a assistir a uma taxa de extinção de diferentes espécies 100 vezes superior à norma. Os cientistas temem que se esteja a assistir à sexta extinção em massa da história do planeta. Em 2100, 30% a 50% das espécies terrestres e marinhas podem estar extintas, afetando também a sobrevivência da espécie humana. Só na última década, os oceanos absorveram 25% das emissões de CO2, que ao reagirem com a água do mar provocam a acidificação dos oceanos, o que está a matar os corais e muitos organismos marinhos.

Consequências humanitárias

O alto-comissariado da ONU para os refugiados estima que cerca de 19 milhões de pessoas foram deslocadas em 2015 devido a fenómenos associados ao clima, escassez de água e eventos geofísicos. Os impactos negativos do “El Niño” nesse ano na agricultura afetetaram mais de 60 milhões de pessoas, segundo a Agência da ONU para a Alimentação e Agricultura (FAO). A exposição do sector agrícola a extremos climáticos, como ondas de calor e secas, já conduziu a um aumento da fome no mundo: estima-se que em 2017 havia 821 milhões de pessoas malnutridas.


Saúde


Segundo a Organização Mundial de Saúde, controlar as emissões de gases de efeito de estufa significa reduzir a poluição e com isso salvar a vida a milhões de pessoas. Dados da OMS indicam que a poluição do ar é já responsável por sete milhões de mortes anualmente no mundo, o que leva a perdas económicas de mais de cinco biliões de euros globalmente. Aliás, nos 15 países com maiores emissões de gases de efeito de estufa, os impactos da poluição na saúde equivalem a cerca de 4% do PIB, indica a OMS. Já mitigar as emissões cumprindo o acordo de Paris só custa 1% do PIB.


O que são as alterações climáticas e como sabemos que a culpa é da atividade humana?


É certo que o clima tem vindo a alterar-se ao longo de diferentes eras geológicas, mas nunca tão rápido como nos últimos 100 anos devido à atividade humana, o que tem implicações na estabilidade do clima na Terra. Desde 1880 até agora, as concentrações de gases de efeito de estufa na atmosfera quase duplicaram, tendo passado de 290 partes por milhão (ppm) para 405 ppm em 2016. “A última vez em que o mundo assistiu a concentrações equivalentes de CO2 na atmosfera foi há 3 milhões a 5 milhões de anos, quando o nível médio do mar estava 10 a 20 metros mais alto”, explicou o secretário-geral da OMM, Petteri Taalas. Com o período de glaciação há dois milhões de anos, as concentrações de CO2 baixaram. E só voltaram a disparar após a Revolução Industrial – desde então, a sua multiplicação tem sido 10 vezes mais rápida. Paralelamente, as temperaturas médias globais seguem a mesma linha ascendente. Desde finais do século XIX, a temperatura média da atmosfera da Terra subiu cerca de 1°C. “As alterações climáticas estão a avançar mais rapidamente do que nós [estamos a agir para travá-las]”, alertou o secretário-geral da ONU, António Guterres.


O que é o efeito de estufa e como causa o aquecimento global?


Sem dióxido de carbono no ar, a Terra seria um território árido e gelado, mas com CO2 em excesso forma-se uma espécie de capacete ou efeito de estufa que impede o calor irradiado de se libertar.


Desde quando se fala em alterações climáticas?


Desde o século XIX que os cientistas começaram a identificar os efeitos da Revolução Industrial e a consequente libertação de gases de efeito de estufa na atmosfera. O primeiro estudo a falar no assunto foi publicado em 1896. Mas foi só na década de 60 do século XX que se começou a acentuar a convicção científica de que o problema estava a agravar-se. A primeira Conferência Mundial do Clima a abordar o problema foi organizada pela Organização Meteorológica Mundial em 1979, na Suíça. Com o acentuar do degelo da Gronelândia na década seguinte, o tema começa a ganhar destaque na agenda política internacional. Em 1988, a OMM e o Programa das Nações Unidas para o Ambiente criam o Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC).


Ainda há quem negue os factos?


São uma minoria, mas ainda há negacionistas das alterações climáticas, a maioria por razões ideológicas. A começar pelo presidente norteamericano, Donald Trump, que considera as alterações climáticas “um embuste” inventado pelos chineses para afetar a indústria americana. Trump ainda recentemente disse “não acreditar” no resultado dos estudos apresentados pelas principais instituições científicas americanas. A maioria dos ataques à ciência climática vem de políticos conservadores ou de grupos com interesses na produção de combustíveis fósseis que não querem que se interfira nos seus mecanismos de liberdade de mercado. “Uma opinião é uma opinião e não um facto”, sublinha o geofísico português Filipe Duarte Santos. O presidente do Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável lembra que “em ciência tudo pode sempre ser provado falso, mas as afirmações dos negacionistas, tais como as dos políticos, não são falsificáveis porque são opiniões”. Ou seja, não são ciência. E 97% dos cientistas não têm dúvidas de que as alterações climáticas estão aí e são causadas pelas atividade humana. Sabem-no com base em estudos que distinguem as emissões naturais de CO2 das industriais, tendo em conta que seguem a mesma linha ascendente das temperaturas médias globais e que se concentram com maior rapidez, o que não é compatível com fenómenos naturais relacionados por exemplo com uma maior radiação solar. “A comunidade científica é consensual quando diz que as alterações climáticas têm origem na atividade humana e ainda não surgiu nenhuma teoria científica nova que ponha isto em causa”, sublinha o geofísico Filipe Duarte Santos. De 1980 até 2017, a concentração global de CO2 não parou de aumentar. Neste gráfico é possível ver as médias anuais em parte por milhão (ppm) de volume de ar e as conclusões são preocupantes. 2016 foi o ano em que a concentração de CO2 ultrapassou a barreira de 0,04% da atmosfera (400 partes por milhão de volume de ar), sendo que um nível tão elevado deste gás de efeito de estufa só existiu no planeta antes de existirem seres humanos. E em 2017 as concentrações de CO2, metano e oxido de nitrogénio continuaram a subir. Aliás, 2018 registou um aumento das emissões globais depois de três anos de recuo ou estagnação. Estima-se que tenham sido libertadas para a atmosfera 37,1 gigatoneladas de CO2eq, uma quantidade nunca vista na história da humanidade.


Três recentes relatórios de organismos da ONU vieram sublinhar que o mundo está à beira do ponto de não retorno e que, entre as promessas feitas pelos governantes que assinaram o Acordo de Paris em 2015 e as ações concretizadas ao longo destes três anos, há uma grande diferença. Tão grande que o último relatório do Programa das Nações Unidas para o Ambiente avisa: se o mundo quiser mesmo travar a subida média global da temperatura no planeta para que os termómetros não subam mais de 1,5°C até final do século, é necessário que os Estados que ratificaram o Acordo de Paris “tripliquem os esforços” para reduzir as emissões de gases de efeito de estufa. O “Emissions Gap Report 2018” indica que as emissões de CO2 e outros gases equivalentes (CO2eq) subiram em 2017 e em 2018, depois de terem estado a baixar ou estagnados nos três anos anteriores. As políticas até agora apresentadas pelos signatários do Acordo de Paris permitem que as emissões aumentem cerca de 10% entre 2017 e 2030, quando deveriam estar a cair 25% neste período. Apenas 57 (entre os quais Portugal) dos 195 países signatários estão a executar planos para começar a reduzir as emissões antes de 2030.


É possível impedir que aqueça mais de 1,5°C?


Tecnicamente é possível, politicamente é mais difícil num mundo polarizado onde os nacionalismos crescem, como alertou António Guterres. O último relatório do IPCC veio alertar a 8 de outubro para o risco de catástrofe se os governantes do mundo não conseguirem tomar as medidas adequadas para impedir que as temperaturas médias globais subam mais de 1,5°C até ao final do século por comparação às da Era pré-industrial, já que os 2°C apalavrados em Paris não são suficientes. O relatório, elaborado por 91 cientistas de 40 países, sublinha que este meio grau de diferença possibilita salvar ou condenar centenas de milhões de pessoas. Uma subida de 2°C em vez de 1,5°C significa poupar a vida de milhões de pessoas e de outros seres vivos. Reduzir as emissões de CO2 e limitar o aumento das temperaturas a 1,5°C não impede alguns dos fenómenos extremos, como secas ou inundações extremas, mas atrasa-os, dando mais tempo para a adaptação dos países que a elas são mais suscetíveis, procurando por exemplo impedir o desaparecimento de pequenos estados-ilha do Pacífico.


II.As COP e o debate mundial sobre as alterações climáticas


China, Estados Unidos da América, Europa, Médio Oriente e Índia são os maiores emissores de CO2 no mundo e o gráfico mostra que até 2030 as previsões nesta matéria são as piores possíveis. Em dezembro de 2018, a principal tarefa da COP 24 era a de estabelecer o “livro de regras” do Acordo de Paris, ratificado em 2015 e no qual 195 países se comprometeram a limitar o aquecimento da Terra a 2ºC até ao fim do século, mas a tarefa parece impossível de cumprir. Ao fim de uma semana de negociações em Katowice, na Polónia, os bloqueios fizeram-se sentir: EUA, Rússia, Arábia Saudita e Kuwait anunciaram apenas que iriam “tomar nota” do relatório do IPCC, sem reconhecer a sua importância para travar a catástrofe, reforçando a sua posição de força de bloqueio perante a urgência da ação pedida.


O que são as cop e como surgiram?


COP é a sigla em inglês de Conferência das Partes da Convenção Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas (UNFCCC). Também conhecida na origem como “Convenção do Rio”, foi criada na Cimeira da Terra, realizada no Rio de Janeiro, no Brasil, em 1992, com o objetivo de travar “a perigosa interferência humana” no sistema climático. Conta com uma adesão quase universal dos Estados representados na ONU e em cada evento comparecem cientistas, ministros, chefes de Estado e de governo, técnicos de organismos governamentais e de empresas e membros de organizações não governamentais.


A primeira COP realizou-se em 1995 em Berlim. E desde então realiza-se todos os anos em países diferentes. A 24ª COP fCOP24, uma janela de oportunidade Apesar de decorrer em Katowice – uma das mais poluídas cidades europeias devido à indústria do carvão, que contribui para 80% da sua produção de energia elétrica -, a realização desta conferência dois meses depois da divulgação do relatório do IPCC sobre a importância de impedir que as temperaturas subam mais de 1,5°C foi vista como a janela de oportunidade para pôr o Acordo de Paris nos eixos. O objetivo é ver os signatários do acordo assinado em 2015 na capital francesa (COP21) definirem as regras e aumentarem a ambição das suas “contribuições nacionalmente determinadas”, ou seja, das medidas políticas em todos os sectores de atividade para reduzirem as suas próprias emissões já a partir de 2020 e com especial ênfase a partir de 2030.


Também se espera que nesta COP seja fechado o acordo para financiar (com mais de 100 mil milhões de dólares por ano a partir de 2020) a ação climática nos países mais pobres. O Banco Mundial anunciou disponibilizar 200 mil milhões de dólares para financiar a mitigação de emissões e a adaptação dos países mais pobres entre 2021 e 2025. Porém, como noutras COP, o consenso global não é fácil. Ao fim de uma semana de negociações em Katowice, os bloqueios fizeram-se sentir: EUA, Rússia, Arábia Saudita e Kuwait anunciaram apenas que iriam “tomar nota” do relatório do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC) que apela à importância de seguir uma trajetória que impeça o aquecimento global acima de 1,5 graus em relação à era préindustrial. Ao tomarem esta atitude, não reconhecem a relevância do relatório e tentam inviabilizar a urgência da ação pedida.


As conferências do clima mais importantes


Em 24 anos de COP foram feitos progressos e conquistadas algumas etapas


1992 Na Cimeira da Terra, no Rio de Janeiro, é criada a Convenção das Nações Unidas para as Alterações Climáticas. O mundo assume que é preciso reduzir as emissões de gases de efeito de estufa e pensar na adaptação aos eventos extremos provocados pelas variações do clima.
Começa a emergir a ideia de um tratado para fazer frente às alterações climáticas no século XXI.


1997 É adotado o Protocolo de Quioto (COP3) na cidade japonesa que lhe deu o nome. Os países representados assinam o primeiro tratado
mundial com o objetivo de reduzir as emissões de gases com efeito de estufa. Os 37 países mais desenvolvidos comprometem-se até 2012 a
reduzir em média 8% das suas emissões de gases de efeito de estufa tendo por base os níveis de 1990. Os EUA assinaram o protocolo e quatro
anos depois rejeitaram-no durante a administração de George W. Bush. A China também não chegou a ratificar o documento. O protocolo de
Quioto entrou em vigor em 2008 e as suas metas duraram até 2012.


2005 O Protocolo de Quioto entra em vigor após a ratificação da Rússia. Um mês antes fora lançado o Comércio Europeu de Emissões, o
principal pilar da política europeia do clima e o primeiro esquema mundial de troca de emissões.


2009 Os líderes mundiais reunidos na COP15 em Copenhaga, na Dinamarca, acordam criar um fundo de 30 mil milhões de dólares para
financiar as medidas de adaptação e mitigação entre 2010-2012. Ficou mais conhecida como “o fiasco de Copenhaga” por não ter conseguido um acordo que sucedesse ao de Quioto para lá de 2020.


2015 Na COP21 na capital francesa é assinado o Acordo de Paris.


O que é o Acordo de Paris?


É o tratado internacional que assume a necessidade de reduzir o aumento global das temperaturas para atenuar o impacto das alterações climáticas até ao fim do século. Foi acordado por 195 países mais a União Europeia na COP21, em dezembro de 2015. Menos de um ano depois, foi ratificado por 184 dos signatários e entrou em vigor em novembro de 2016. Portugal foi o quinto país da UE, a seguir a Alemanha, França, Áustria e Hungria, e o 61º no mundo a ratificá-lo. O acordo tem como objetivo impedir que as temperaturas médias globais subam mais de 2 graus Célsius até ao fim do século XXI, de preferência não mais de 1,5°C, por comparação às registadas na era pré-industrial. Os países signatários apresentaram individualmente as suas contribuições nacionais voluntárias (NDC) e comprometeram-se a revê-las de cinco em cinco anos após 2020. A COP de Paris foi a que mais chefes de Estado e de Governo reuniu em 20 anos de luta contra as alterações climáticas. Neste acordo, os chefes de Estado e governo dos países mais desenvolvidos comprometeram-se a investir 100 mil milhões de dólares anualmente para ajudar os países em vias de desenvolvimento a partir de 2020 e em finalizar o acordo e as suas regras operacionais em 2018. Os EUA assinaram e ratificaram o Acordo pela mão do presidente Barack Obama, mas Donald Trump anunciou posteriormente a sua intenção de retirar os EUA. Contudo não o poderá fazer formalmente antes de novembro de 2020. Reputados académicos como Michael E. Weber ou o nobel da Economia Joseph Stiglitz, lembraram Trump que reavivar a produção de carvão nos EUA é dar um tiro no pé, tendo em conta que a produção de energia solar ou eólica tem crescido nos EUA e que o mundo pode impor taxas de carbono aos produtos americanos que violem as regras globais.


A que se comprometeram a UE e outros países em Paris?


A UE, por exemplo, que no seu conjunto contribui com 12% das emissões, disse que iria reduzi-las em 40% até 2030 e 80% até 2050 face às de 1990, ou ainda ir mais longe. Os EUA apontaram para uma redução até 2025 de 26-28% face aos valores de 2005. E a China, o maior emissor global, disse que atingirá o seu pico de emissões em 2030, mas que tencionava reduzir a sua intensidade carbónica em 60-65% até lá. Já a Rússia apontava para uma redução das emissões 25-30% até 2030, por comparação com as de 1990. A China e os EUA são responsáveis por 38% das emissões globais.


A que se comprometeu Portugal em Paris e a que se compromete agora?


Portugal tinha conseguido em 2014 reduzir as emissões em 27% face às de 1990 e o compromisso que apresentou em Paris foi o de reduzi-las ainda mais, entre 30% e 40% face às de 2005. Um ano depois, na cimeira de Marraquexe, o Governo de António Costa prometeu fazer um roteiro para tornar neutras as emissões de GEE até 2050, atuando em todos os sectores, dos transportes à agricultura, construção, indústria, produção de energia e gestão de resíduos. O denominado “Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050” foi apresentado a 4 de dezembro de 2018 e está em consulta pública. Nele, o Governo compromete-se a reduzir em 83% as emissões de CO2eq até 2050, ou seja, passar das 68 megatoneladas registadas em 2015 para 10-12 megatoneladas dentro de 32 anos. O objetivo é apostar na transição energética, de modo a que em 2050 100% da energia consumida nas casas e nos escritórios seja de fontes renováveis e que todos os veículos que circulem nas estradas nacionais sejam movidos por baterias elétricas ou a hidrogénio. Mas muita coisa terá de mudar também no comportamento dos portugueses, apostando na mobilidade partilhada, nos transportes públicos, num menor consumo de modo a gerar menos resíduos e numa alteração da dieta alimentar, passando a consumir menos carne e a fazer menos desperdício alimentar. Para compensar as emissões de gases de efeito de estufa que existirem, aposta-se na floresta como “sumidouro” ou forma natural de absorvê-las. Portugal é considerado um bom aluno e está em 14º lugar no Índice de Desempenho das Alterações Climáticas (da responsabilidade da organização não-governamental de ambiente Germanwatch e da Rede Internacional de Ação Climática), que avalia as medidas para a defesa climática tomadas por 56 países e pela União Europeia, que no seu conjunto são responsáveis por mais de 90% das emissões globais de gases de efeito estufa. Portugal representa apenas 0,18% das emissões globais, mas todos os contributos são úteis. Estes são os sectores em que Portugal se compromete a reduzir as emissões de CO2 até 2050:


Energia


Meta 2030 -83% A -84%


Meta 2050 -98%


Dentro de 12 anos, 80% da energia elétrica será produzida por fontes renováveis e a meta são 100% em 2050. Para tal é preciso duplicar a produção eólica e solar, apostando na descentralização da produção. As casas vão passar a ter painéis solares para autoconsumo e venda à rede.


Indústria


Meta 2030 -40% A -42%


Meta 2050 -72% a -88%


Prevê-se uma alteração significativa dos sistemas de produção, com maior eletrificação de fontes renováveis, robotização e redução da intensidade energética. As centrais a carvão vão fechar até 2029 e as de gás natural entram em fase out em 2040. Será o sector com maiores emissões


Edifícios


Meta 2030 -43%


Meta 2050 -84%


As casas e escritórios devem ser energeticamente mais eficientes e os consumos de energia vão ser reduzidos até 60%. A eletricidade que nos chega a casa será 90% renovável e os painéis solares vão contribuir para 80% das águas quentes. Espera-se três vezes mais conforto térmico e o uso partilhado de eletrodomésticos.


Transportes


Meta 2030 -50% A -53%


Meta 2050 -98% a -99%


Dentro de seis a 12 anos deixa de compensar comprar veículos a gasóleo ou a gasolina. Em 2030, os carros elétricos vão ser mais eficientes e baratos e representam 1/3 da mobilidade. Em 2040, os autónomos e/ou partilhados são metade dos que circulam e em 2050 não haverá combustíveis fósseis na estrada.


Agricultura


Meta 2030 -19% A -20%


Meta 2050 -21% a -48%


O aumento da área florestal e a redução da área ardida para metade contribuem para que o país tenha capacidade para absorver a quase  totalidade das emissões de CO2 em 2050 (cerca de 12 megatoneladas). Há mais área de agricultura biológica e de precisão e aumenta a área de produção hortícola e de pomares.


Resíduos


Meta 2030 -57% A -58%


Meta 2050 -80%


A deposição de resíduos em aterro não pode ser superior a 10% em 2035 e 15 anos depois a produção de lixo per capita vai cair 25%, associada a uma maior reutilização dos produtos no quadro da economia circular e a uma redução do desperdício alimentar, que deve atingir 50% a 80%.


III.Quais são as soluções?


Desde 1970 que 80% das fontes primárias de energia no mundo estão assentes no carvão, no petróleo e no gás natural e é preciso inverter isto. “A ciência é clara, agora os governos têm de agir mais rapidamente e com mais urgência na ambiciosa ação climática. Estamos a alimentar este fogo quando temos ao nosso alcance os meios para o extinguir”, sublinha Joyce Msuya, vice-diretora executiva do Programa das Nações Unidas para o Ambiente. Para impedir que o termómetro médio global ultrapasse esta linha vermelha, os países têm de acelerar os roteiros para a descarbonização


A ONU sugere novas taxas sobre os combustíveis fósseis, o fim dos subsídios ao carvão e ao petróleo e a aposta nas tecnologias limpas, sobretudo nas energias renováveis. O relatório do IPCC recomenda que as emissões de CO2 e de outros gases de efeito de estufa sejam cortadas em 45% até 2030, numa média de 3% a 4% ao ano (quando a média da década de 2000-2009 era uma subida de 3%). Só assim podem chegar a zero em 2050. Ou seja, para que as emissões não cheguem às projetadas 58 GtCO2e em 2030 e impedir que os termómetros subam mais de 1,5°C, é necessário que as emissões não ultrapassem 25-30 GtCO2e/em média por ano nos próximos 12 anos. Se extrairmos todas as reservas que se conhecem de carvão, de petróleo e de gás natural, consideradas economicamente viáveis de ser exploradas, as temperaturas vão subir muito mais que 2°C. Para que isso não aconteça, temos de deixar no subsolo cerca de 70% dessas reservas, asseguram os cientistas.


Há propostas ainda mais drásticas, como as avançadas por um grupo de cientistas num artigo publicado na revista “Science” (entre os quais Johan Rockström, vice-diretor do Instituto Potsdam para a Investigação sobre os Impactos Climáticos): propõem a redução para metade das emissões brutas de CO2 em cada uma das próximas décadas por comparação à anterior e a utilização de tecnologia que remova CO2eq da atmosfera para que as concentrações não ultrapassem as 380 partes por milhão (ppm) em 2100. Também propõem antecipar a eliminação de subsídios aos combustíveis fósseis para 2020; proibir a partir de 2030 o fabrico de carros com motores de combustão interna; alterar a dieta e o desperdício alimentar.


É neste sentido que segue a Estratégia Europeia para a Neutralidade Carbónica, apresentada em novembro de 2018. Tem por objetivo levar os Estados-membros a desenvolver políticas que permitam reduzir as emissões de gases de efeito estufa e simultaneamente criar condições para que as emissões que persistam sejam absorvidas pelas florestas. Portugal e alguns outros países, como a Suécia, a Dinamarca ou Espanha, já se tinham comprometido a atingir este objetivo até 2050. “Se não liderarmos, mais ninguém o fará”, afirmou o comissário europeu do Clima, Miguel Arias Cañete, numa conferência em Bruxelas, defendendo que “com este plano a Europa será a primeira grande economia a tornar-se neutra em carbono até 2050”. “E temos todas as ferramentas para sermos ambiciosos.”


É essencial mudar o modo de produção agrícola a grande escala, tendo em conta que globalmente o sector agrícola, com particular peso na produção de carne de bovino, é responsável por um quinto das emissões mundiais. As emissões da indústria têm de cair 75-90% até 2050 em comparação a 2010, apostando na eletrificação dos modos de produção a partir de fontes renováveis, hidrogénio e da economia circular. O sector dos transportes é um dos que precisam de maior atuação, já que representa 27% das emissões de CO2 na Europa e é o único cujas emissões têm estado a aumentar, quando no global estão a cair na UE. Mas para atingir o objetivo de “emissões zero” em 2050 terá de ser proibida a comercialização de veículos movidos a combustíveis fósseis entre 2035 e 2040.


Os transportes representam um quarto das emissões globais (oito gigatoneladas por ano), segundo dados do IPCC, o que significa que este sector está a emitir mais 70% que há 30 anos. Calcula-se que existam mil milhões de carros no mundo e que em 2040 possam ser o dobro. A forma de travar as consequências é apostar na mobilidade elétrica.


Não é demasiado tarde?


“Cair no desespero ou na desesperança é um perigo tão grande como cair na complacência”, avisa a presidente da convenção da ONU para as Alterações Cimáticas, Patricia Espinoza. Agora é preciso pôr o acordo de Paris em marcha, estabelecer-lhe regras e prazos e aumentar a ambição de cada país, o que depende dos governos e do comportamento daqueles que os elegem. A ONU apurou que 9000 cidades, 240 regiões ou Estados e cerca de 6 mil empresas de 128 países estão já a tomar medidas, o que deixa algum alento.


A geoengenharia e os seus riscos


Nos EUA, um grupo de milionários americanos, entre os quais Bill Gates, investiu 20 milhões de dólares no projeto Scopex (conduzido pela
Universidade de Harvard), que consiste em lançar para a estratosfera grandes quantidades de dióxido de enxofre que formam uma neblina que reflete a radiação solar. Esta tecnologia é considerada perigosa pelo geofísico português Filipe Duarte Santos, que alerta para o facto de “não se conhecerem os efeitos colaterais” nem os riscos de uma segunda intervenção sobre o clima para anular parte dos efeitos da primeira.


“Se se reduz a quantidade de radiação proveniente do Sol, há menos evapotranspiração nos oceanos e em terra, o que significa que a precipitação global se reduz e passamos a ter secas provocadas pela alteração climática e secas provocadas pela redução da precipitação provocada por esta intervenção”, explica o cientista, que teme “efeitos colaterais gravíssimos”. E alerta para o facto de irem contra a Convenção sobre Diversidade Biológica, que os EUA não assinaram.


Aquecimento global: as diferenças entre o aumento de 1,5°C ou 2°C


Calor extremo


1,5°C – 14%


2°C – 37%


Com um agravamento do aumento da temperatura de 1,5°C para 2°C, a população global exposta a calor extremo (em média a cada cinco anos) pode mais que duplicar. Ondas de calor mais severas podem atingir mais 420 milhões de pessoas.


Degelo do Ártico


1,5°C – 1/100 anos


2°C – 1/10 anos


O número de verões sem gelo pode ser 10 vezes superior, passando de uma vez por século para uma vez por década.


Nível Médio do mar em 2100


1,5°C +40 cm


2°C +46 cm


Uma diferença de seis a dez centímetros no aumento do nível do mar em 2100 pode afetar mais 10 milhões de pessoas que vivem em zonas
costeiras.


Perda de Biodiversidade


1,5°C – 4% a 8%


2°C – 8% A 16%


A percentagem de vertebrados e de plantas que vão perder mais de metade do seu habitat natural vai duplicar – e no caso dos insetos triplicar.


“Permafrost”


1,5°C – 4,8 milhões km2


2°C – 6,6 milhões km2


Vai aumentar 38% a quantidade de solo permanentemente congelado que vai descongelar.


Recifes de coral


1,5°C – 70% a 90%


2°C – 99%


Aumenta em 29% o declínio dos recifes de coral, destruindo-os por completo.


Pescas


1,5°C – 1,5 milhões t


2°C – 3 milhões t


O declínio das pescas agrava-se para o dobro, podendo chegar aos 3 milhões de toneladas.


O que pensam as pessoas


“Não há ninguém mais preocupado com as alterações climáticas que os portugueses”, indica um estudo do Banco Europeu de Investimento (BEI) feito em parceria com o instituto de sondagens YouGov, divulgado em novembro.


O inquérito, que conta com uma amostra total de 25 mil inquiridos, constata que 93% dos portugueses se dizem alarmados quando pensam no assunto, enquanto a média europeia se fica pelos 78%. E são também os portugueses que manifestam maior preocupação face à consciência de que a ameaça é já presente (80%), ao que não deverá ser alheio o facto de o país ter sofrido nos anos recentes a pior seca e os mais  devastadores incêndios desde que há registos.


Em geral, são os países da Europa do sul que manifestam mais a sua preocupação com as alterações climáticas e não têm dúvidas de que a acumulação de gases de efeito de estufa é causada pela ação humana. Já os da Europa do norte mostram-se menos ansiosos e não tão crentes na responsabilidade antropogénica do aquecimento global.


Comparativamente à população de outros continentes, a Europa coloca-se mais uma vez no pelotão da frente. Enquanto 78% dos europeus se mostram preocupados, apenas 65% dos chineses e 63% dos norte-americanos manifestam a mesma angústia.


Que contributo pode dar cada um de nós?

Reduzir as emissões de gases com efeito de estufa também está nas mãos de cada um de nós em coisas tão simples do dia a dia como:


  • Desligar a luz das divisões da casa que não estamos a utilizar
  • Isolar as janelas ou colocar vidros duplos para manter as temperaturas mais amenas dentro de casa
  • Deixar as persianas, portadas ou cortinas abertas para o sol entrar e aquecer a casa no inverno, tal como fechá-las ajuda a refrescar no verão
  • Optar por painéis solares para aquecer a água e produzir energia para autoconsumo, o que permite não só baixar a conta da eletricidade e do gás, como diminuir as emissões de GEE se as fontes forem combustíveis fósseis
  • Reduzir o consumo em geral também contribui para baixar a produção de lixo e, como tal, de todo o processo energético associado à produção de bens e à eliminação de resíduos
  • E andar mais a pé, de bicicleta ou utilizar os transportes públicos e deixar o carro em casa é um enorme contributo que cada um de nós pode dar.


Editorial: João Santos Duarte, Joana Beleza, Germano Oliveira
Texto: Carla Tomás
Infografia: Sofia Miguel Rosa
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Fotografia: Getty Images
Fontes dos gráficos: NOAA/ESRL, Nasa, UK Met Office/CRU, Ed Dlugokencky and Pieter Tans e Mongabay com dados da EIA
Coordenação editorial: João Santos Duarte, Joana Beleza, Germano Oliveira

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